Carlos Alberto Figueiredo da Silva
Carlos Figueiredo.org
por Carlos Alberto Figueiredo da Silva
Fichamento ou resumo do livro Interpretação e superinterpretação

1



Interpretação e superinterpretação
Umberto Eco

Fichamento feito por Carlos Alberto Figueiredo da Silva

Sumário
1. Interpretação e história (Umberto Eco)
2. Superinterpretando textos (Umberto Eco)
3. Entre autor e texto (Umberto Eco)
4. A trajetória do pragmatista (Richard Rorty)
5. Em defesa da superinterpretação (Jonathan Culler)
6. História palimpsesta (Christine Brooke-Rose)
7. Réplica (Umberto Eco)

RESUMO

Capítulo 1
Interpretação e história
(Umberto Eco)

Apesar de ter defendido o papel ativo do leitor em outros artigos, Eco vai focalizar neste que houve um exagero na últimas décadas em relação aos direitos dos leitores à interpretação dos textos.

A noção de semiótica ilimitada não leva à conclusão de que a interpretação não tem critérios. A interpretação tem de ter critérios.

Apoiando-se em Popper, Eco diz que interpretações ilimitadas geram muitas vezes interpretações absurdas, ruins.

Eco diz que entre a intenção original do autor (intentio auctoris) - que é muito difícil de descobrir e irrelevante para a interpretação do texto - e a intenção do interprete (intentio lectoris); existe a intenção do texto (intentio operis).

O Significado
Eco diz que a querela do "irracionalismo" pós-moderno é de fato arcaica.

Para definir "irracionalismo" seria necessário um conceito filosófico de razão que não fosse tão controvertido como é.

Na sua busca de um conceito de irracionalismo, ele focaliza um de seus antônimos: a moderação. Ou seja, aquilo que está dentro do modus, i. e., dentro dos limites e das medidas.

O modelo de racionalismo herdado dos gregos e dos latinos pressupõe 3 princípios para justificar a cadeia unilinear causal:
1. O princípio da identidade
2. O princípio da não-contradição
3. O princípio do terceiro excluído

Eco parece render-se a esse racionalismo quando diz que pelo menos ele mantém o contrato social.

No fruto do pensamento racionalista na antiga Grécia já existia um germe que fugia a essa ordem racional: a Infinidade.

A Infinidade é aquilo que não tem modus, que foge à norma. Assim, ao lado dos conceitos de não-contradição, identidade e do terceiro excluído, os gregos controem a idéia de metamorfose contínua, simbolizada por Hermes.

Eco diz que Hermes triunfa no séc. 2 pois tudo estava bem ordenado. No hermetismo o terceiro excluído entra em crise. É possível muitas coisas serem verdadeiras ao mesmo tempo, mesmo que se contradigam. Tantas verdades parecem ser alegorias que escondem algo mais profundo.

Imagens - verdade - exotismo
A verdade fora esquecida, então alguém deveria tê-la salvo para nós. Jung diz que a imagem divina se torna familiar demais para nós e perde seu mistério, temos necessidade de nos voltar para imagens de outras civilizações, porque só os símbolos exóticos são capazes de manter uma aura de sacralidade.

No séc. 2 o exótico era o bárbaro.

Unidade - coincidência dos opostos (o princípio da identidade entra em colapso) - consequentemente a interpretação é indefinida.

Eco diz que o hermetismo não define por exemplo uma planta por suas características morfológicas e funcionais, mas com base em sua semelhança com outro elemento do Cosmos. Ou seja, opera metaforicamente (pelas imagens).

Todo objeto, seja terrestre ou celeste, esconde um segredo e todo segredo refere-se a um outro segredo e assim ad infinitum. O hermetismo transforma o teatro do mundo inteiro num fenômeno lingüistico e, ao mesmo tempo, nega à linguagem qualquer poder de comunicação.

À esta primeira vitória das imagens na Grécia, segue-se uma segunda vitória; agora os perdedores foram o racionalistas escolásticos medievais.

O hermetismo sempre esteve presente nas áreas marginais. Em última análise, o modelo hermético sugeria a idéia de que a ordem do universo descrita pelo racionalismo grego poderia ser subvertida e que era possível descobrir novas conexões e novas relações no universo que teriam permitido ao homem atuar sobre a natureza e mudar o seu curso. Mas esta influência funde-se com a convicção de que o mundo deveria ser descrito não em termos de uma lógica qualitativa, e sim em termos de uma lógica quantitativa. O modelo hermético contribui paradoxalmente para o nascimento de seu novo adversário: o racionalismo científico moderno.

O novo irracionalismo hermético oscila entre:
a) Místicos e Alquimistas e
b) Poetas e Filósofos

Gnose & Doxa
No racionalismo grego a gnose se contrapunha à doxa, pois aquela significava um verdadeiro conhecimento da existência e a doxa referia-se apenas à opinião ou à simples percepção. Mas tarde a gnose passa a ser entendida como Dom, como conhecimento divino, revelado etc.

Eco vai discorrer sobre esse hermetismo tão celebrado por Gilbert Durand, dizendo que existem similaridades entre o hermetismo antigo e o contemporâneo.

O gnosticismo textual contemporâneo vai levar o leitor a buscar um significado secreto: as palavras, em vez de dizer, ocultam o não-dito.

Eco diz que existem critérios para limitar a interpretação.

Capítulo 2
Superinterpretando texto
(Umberto Eco)

Eco vai aduzir que a interpretação por analogia, por semelhança encontra uma base na analogia que é culturalmente estabelecida. Assim, ele tenta se desvencilhar da semiótica hermética e dos defeitos básicos da superinterpretação.

Diz ele que na vida cotidiana sabemos distinguir as similaridades significativas das ilusórias. Acredito aqui que a etnometodologia, ao buscar na interação a construção de uma idéia, reduz o risco de equívocos na interpretação, pois a etnometodologia observa o processo de construção enquanto ele se constrói e não o já constituído.

Capítulo 3
Entre autor e texto
(Umberto Eco)

Neste capítulo Eco vai como que se render às suas próprias imagens quando produz seus escritos poéticos.

Capítulo 4
A trajetória do pragmatista
(Richard Rorty)

Rorty começa seu artigo dizendo que considerou o livro "O pêndulo de Foucault" como uma paródia ao estruturalismo, concluindo que Eco conseguiu deixar de lado os diagramas e taxionomias de suas obras anteriores. Não o encarando mais como um decifrador de códigos.

Entretanto, Rorty diz que apesar de Ter visto Eco renunciando o estruturalismo no Pêndulo de Foucault, todas essas visões se desfizeram ao ler o artigo "Intentio Lectoris".

Rorty descarta a querela entre o uso do texto e sua interpretação. Para ele o texto é par ser usado com uma finalidade prática. Diz que ler textos é uma questão de lê-los à luz de outros textos, pessoas, obsessões, informações ou o que for, e depois ver o que acontece.

Rorty vai dizer que é inútil a querela em Aristóteles de que existe uma grande diferença entre a deliberação prática sobre o que fazer e as tentativas de descobrir a verdade. Igualmente, outra querela inútil é a de Kant. Kant trabalha com imperativos categóricos; assim, para ele, as coisas têm valor, mas pessoas têm dignidade. Os textos são pessoas honorárias e usá-los como meios e não como fim em si mesmos é agir imoralmente.

Como pragmático Rorty tenta uma distinção útil entre essas distinções inúteis. Ou seja, é saber de antemão o que se quer obter de uma pessoa ou de uma coisa, ou de um texto e esperar que eles nos ajudem a querer algo diferente, a mudar nossos propósitos e nossa vida.

Capítulo 5
Em defesa da superinterpretação
(Culler)

Culler faz uma crítica a Rorty pela simplicidade de sua proposta. Para Rorty tudo o que qualquer pessoa consegue fazer com qualquer coisa é usá-la.

Culler diz que é surpreendente que um movimento filosófico que se auto denomina "pragmatismo" neglicencie essa atividade eminentemente prática de aprender mais sobre o funcionamento de criações humanas importantes como a literatura.

Umberto Eco (1989) no livro The Open Work defende o papel ativo do leitor na interpretação dos textos dotados de valor estético. Entretanto, posteriormente, no livro Interpretação e superinterpetação (1993/1997), afirma que os leitores acabaram exagerando nos seus direitos de interpretar. Eco vai discorrer sobre esse excesso que ocasiona, na maioria dos casos, interpretações ruins. Para ele, há limites para a interpretação.

Nesse sentido, aduz que entre a intenção do autor (intentio auctoris) e a intenção do leitor (intentio lectoris) existe a intenção da obra (intentio operis). Por conseguinte, um texto, um documento histórico, uma obra, um acontecimento, tem uma "natureza" e caberia ao intérprete descobrir a "verdade".

Por outro lado, Richard Rorty (1997) insiste na idéia de que devemos abandonar esta obsessão e compreendermos que os textos nos são úteis no sentido de modificarmos a nós mesmos e a partir daí o mundo. Rorty, como um pragmatista, anti-estruturalista e anti-hermetista, vai dizer que tudo o que alguém pode fazer com alguma coisa é usá-la. A busca de um sentido profundo nas obras é um desperdício de tempo. De fato, não fazemos nem descobrimos, mas reagimos a estímulos emitindo frases, pensamentos, metáforas, e inferimos outras frases destas. O nosso vocabulário é sempre final-provisório em virtude de não haver limites para as interpretações.

Rorty não está à procura das coisas como elas realmente são ou foram, mas como argumentações contínuas, em que diversos vocabulários se mostram e se constroem, criam o novo. Os conceitos, para Rorty, são mais ferramentas do que peças de um quebra-cabeças ou enigmas que, ao serem desvendados, nos mostrariam como o mundo realmente é.

Temos por um lado a crítica de Eco à superinterpretação e, por parte de Rorty, uma despreocupação com o que a obra efetivamente diz, mas com o que poderia dizer.

Interpretação, superinterpretação e subinterpretação

De acordo com Culler (1997:131), a interpretação não precisa de defesa; entretanto, o ponto crucial é a idéia de que a interpretação só é interessante quando é extrema. Diz ele que:

"Muitas interpretações ‘extremas', como muitas interpretações moderadas, sem dúvida terão pouco impacto, por serem consideradas pouco convincentes, redundantes, irrelevantes ou aborrecidas, mas, se forem extremas, terão mais possibilidade, parece-me, de esclarecer ligações ou implicações ainda não percebidas ou sobre as quais ainda não se refletiu, do que tentarem manter-se ‘seguras' ou moderadas".

Nesse sentido, Culler vai valorizar a superinterpretação e dizer que o que Eco entende como superinterpretação - na qual os intérpretes se distanciam da intenção da obra -, é de fato uma subinterpretação, pois, neste caso, não são interpretados elementos suficientes para a compreensão da obra.

Ao contrário de Rorty, Culler não advoga o abandono da busca dos códigos e da tentativa de identificar e compreender os mecanismos estruturais. Ou seja, não é porque as pessoas falam português que não necessitamos mais analisar as estruturas lingüisticas e seus mecanismos.

Para Culler, tanto Eco como Rorty repudiam a desconstrução. No caso de Eco, o ataque é feito à desconstrução empreendida pelo leitor que altera a intenção da obra. Já Rorty critica a desconstrução que se preocupa em encontrar as estruturas que só tentam identificar o que está na obra, sem ultrapassá-la.

Salman Rushdie (1985: 85-90 passim) diz:

"Eu também me defronto com o problema da história: o que reter, o que eliminar, como me manter fiel ao que a memória insiste em abandonar, como lidar com a mudança. (...) Todas as histórias são perseguidas pelos fantasmas das histórias que poderiam ter sido".

Espero que este fichamento tenha provocado ignições para a leitura do livro.

Carlos Alberto Figueiredo da Silva

http://www.cafigueiredo.org